Quais os alimentos tóxicos para cães e gatos?
Ao buscar na internet “alimentos tóxicos para cães e gatos” há uma lista daqueles ditos como maléficos. Mas o que a ciência diz sobre esse tema?
Iniciando pela cebola. Tanto em casos de cães que comeram cebola [1], como em estudos que forneceram intencionalmente a cebola para cães e gatos [2-5], o principal efeito negativo foi a anemia, com alterações graves nas células do sangue. Já sobre o alho, apesar de haver a possibilidade de benefícios cardiovasculares [6,7], há estudos que mostram efeitos tóxicos também sobre as células do sangue [8] e ocorrência de lesões semelhantes a úlceras no estômago e intestino dos cães [9].
Entrando nas frutas, apesar de estudos mostrarem que o extrato de uva pode ter efeitos benéficos e não ser tóxico [10-12], tanto sobre a uva in natura como a uva passa, há diversos relatos, inclusive brasileiros, mostrando possível relação da ingestão desta fruta por cães e a ocorrência de lesão renal, chegando até mesmo à morte [13-22]. Apesar destas evidências, a forma exata de intoxicação ainda não foi descoberta, nem qual o componente da fruta é o causador do problema.
Ainda nas frutas, há pesquisas que mostram que o consumo de abacate por outras espécies, como algumas aves, ruminantes e cavalos [23-26], pode ter efeito tóxico, mas no contexto cães e gatos há apenas o relato de duas cadelas que apresentaram lesões cardíacas após o consumo da fruta [27]. Sobre a carambola também se discute a possível toxicidade da fruta, mas ainda há poucas informações voltadas para cães e gatos.
Apesar de não ser fruta, já foi atribuído à castanha macadâmia o efeito de causar nos cães ataxia ou paralisia dos membros posteriores, além de diversas manifestações inespecíficas como vômito, apatia e fraqueza [28]. Por fim, vale reforçar que chocolates, café e derivados de refrigerantes podem conter teobromina, um componente que pode desencadear simples alterações neurológicas, manifestações inespecíficas como vômito, e até mesmo a morte [29-33].
Assim, alguns itens corriqueiros da alimentação humana são associados, cientificamente, a intoxicações graves em cães e gatos. Para entendermos melhor e definirmos quais seriam as quantidades maléficas, mais estudos são necessários. E na ausência de estudos que deixem totalmente claro quais os benefícios desses alimentos para cães e gatos, a melhor opção é não os fornecer aos pets, já que um animal mais sensível pode manifestar a intoxicação mesmo com pequenas quantidades ingeridas.
Referências
1. GUITART, R. et al. Heinz body anaemia in two dogs after Catalan spring onion (“calcot”) ingestion: A case reports. Veterinarni Medicina, v. 53, n. 7, p. 392–395, 2008.
2. OGAWA, E. et al. Effect of onion ingestion on anti-oxidizing agents in dog erythrocytes. The Japanese Journal of Veterinary Science, v. 48, n. 4, p. 685–691, 2011.
3. ROBERTSON, J. E.; CHRISTOPHER, M. M.; ROGERS, Q. R. Heinz body formation in cats fed baby food containing onion powder. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 212, n. 8, p. 1260–1266, 1998.
4. HARVEY, J. W.; RACKEAR, D. Experimental onion-induced hemolytic anemia in dogs. Veterinary Pathology, v. 22, n. 4, p. 387–392, 1985.
5. TANG, X.; XIA, Z.; YU, J. An experimental study of hemolysis induced by onion (Allium cepa) poisoning in dogs. Journal of Veterinary Pharmacology and Therapeutics, v. 31, n. 2, p. 143–149, 2008.
6. KAYE, A. D. et al. Analysis of responses of allicin, a compound from garlic, in the pulmonary vascular bed of the cat and in the rat. European Journal of Pharmacology, v. 276, n. 1–2, p. 21–26, 1995.
7. MARTÍN, N. et al. Anti-arrhythmic profile of a garlic dialysate assayed in dogs and isolated atrial preparations. Journal of Ethnopharmacology, v. 43, n. 1, p. 1–8, 1994.
8. LEE, K. W. et al. Hematologic changes associated with the appearance of eccentrocytes after intragastric administration of garlic extract to dogs. American Journal of Veterinary Research, v. 61, n. 11, p. 1446–1450, 2000.
9. HOSHINO, T.; KASHIMOTO, N.; KASUGA, S. Effects of Garlic Preparations on the Gastrointestinal Mucosa. The Journal of Nutrition, v. 131, n. 3, p. 1109S-1113S, 2018.
10. BARDEN, C. A. et al. Effect of grape polyphenols on oxidative stress in canine lens epithelial cells. American Journal of Veterinary Research, v. 69, n. 1, p. 94–100, 2008.
11. MILLER, E. J. et al. Effects of grape seed extract, lutein, and fish oil on responses of canine lens epithelial cells in vitro. American Journal of Veterinary Research, v. 79, n. 7, p. 770–778, 2018.
12. MARTINEAU, A. S. et al. A mixed grape and blueberry extract is safe for dogs to consume. BMC Veterinary Research, v. 12, n. 1, 2016.
13. EUBIG, P. A. et al. Acute renal failure in dogs after the ingestion of grapes or raisins: A retrospective evaluation of 43 dogs (1992-2002). Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 19, n. 5, p. 663–674, 2005.
14. YOON, S.-S. et al. Natural Occurrence of Grape Poisoning in Two Dogs. Journal of Veterinary Medical Science, v. 73, n. 2, p. 275–277, 2010.
15. MAZZAFERRO, E. M. et al. Grape Ingestion in 4 Dogs. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, v. 14, n. 3, p. 203–212, 2004.
16. MORROW, C. M. K. et al. Canine renal pathology associated with grape or raisin ingestion: 10 Cases. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation, v. 17, n. 3, p. 223–231, 2005.
17. SUTTON, N. M.; BATES, N.; CAMPBELL, A. Factors influencing outcome of Vitis vinifera (grapes, raisins, currants and sultanas) intoxication in dogsVeterinary Record, 2009.
18. PEREIRA, L. C. et al. Intoxicação de cão por uva - relato de caso. Clinica veterinária, v. 17, n. 101, p. 74–77, 2012.
19. YUK, J. et al. Acute Renal Proximal Tubular Dysfunction in Two Dogs Associated with Grapes Ingestion. Korean Journal of Veterinary Research, v. 45, n. 2, p. 287–296, 2005.
20. GWALTNEY-BRANT, S. et al. Renal failure associated with ingestion of grapes or raisins in dogs. J.Am.Vet.Med Assoc., v. 218, n. 10, p. 1555–1556, 2001.
21. OH, H.-W. et al. Treatment for acute renal failure occurred by ingestion of grape skins in a dog. Korean Journal of Veterinary Research, v. 48, n. 2, p. 215–218, 2008.
22. STANLEY, S. W.; LANGSTON, C. E. Hemodialysis in a dog with acute renal failure from currant toxicity. Canadian Veterinary Journal, v. 49, n. 1, p. 63–66, 2008.
23. HARGIS, A. M. et al. Avocado (Persea americana) intoxication in caged birds. J Am Vet Med Assoc, v. 194, n. 1, p. 64–66, 1989.
24. BURGER, W.; NAUDE, T.; VAN RENSBURG, I. Cardiomyopathy in ostriches (Struthio camelus) due to avocado (Persea americana var guatamalensis) intoxication. J South African Vet Assoc, v. 65, p. 113–118, 1994.
25. MCKENZIE, R. A.; BROWN, O. P. Avocado (Persea americana) poisoning of horses. Australian veterinary journal, v. 68, n. 2, p. 77–78, 1991.
26. CRAIGMILL, A. L. et al. Pathological changes in the mammary gland and biochemical changes in milk of the goat following oral dosing with leaf of the avocado (Persea americana). Australian veterinary journal, v. 66, n. 7, p. 206–211, 1989.
27. BUORO, I. B. J. et al. Putative avocado toxicity in two dogs. Onderstepoort Journal of Veterinary Research, v. 61, n. 1, p. 107–109, 1994.
28. HANSEN, S. R. et al. Weakness, tremors, and depression associated with macadamia nuts in dogs. Veterinary and Human Toxicology, v. 42, n. 1, p. 18–21, 2000.
29. FARBMAN D. Death by Chocolate? Methylxanthine Toxicosis. Veterinary Technician. Death by Chocolate? Methylxanthine Toxicosis. Veterinary Technician, v. 0000, n. March, p. 146–1477, 2001.
30. GANS, J. H. et al. Effects of short-term and long-term theobromine administration to male dogs. Toxicology and Applied Pharmacology, v. 53, n. 3, p. 481–496, 1980.
31. HENSEL, M.; PASHMAKOVA, M.; PORTER, B. F. Fatal caffeine intoxication in a dog. Brazilian Journal of Veterinary Pathology, v. 10, n. 2, p. 65–68, 2017.
32. TAWDE, S. N. et al. Death by Caffeine: Presumptive Malicious Poisoning of a Dog by Incorporation in Ground Meat. Journal of Medical Toxicology, v. 8, n. 4, p. 436–440, 2012.
33. GARTRELL, B. D.; ROE, W. D. The effects of chocolate and chocolate by-product consumption on wild and domestic animals. In: Chocolate in Health and Nutrition. [s.l: s.n.]. p. 135–141.